quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Mundos paralelos


Estava com a neura. E a chuva não ajudava nada. Durante o registo desta imagem, o movimento do automóvel desenhou no meu caminho e na minha imagem, muitas figuras humanas que parecem estar todas a atravessar a rua e a flutuar pelo ar. Um movimento na imagem, provocado pela velocidade do carro, pela sua suspensão e pela textura do asfalto da estrada e sobre os quais eu não tive qualquer tipo de controlo.
Sempre é verdade que a fotografia regista mais do que aquilo que conseguimos ver. É como a nossa vida tão cheia de coisas que nem sempre conseguimos ver e onde afinal, uma boa terapia é, sem dúvida, andar pela cidade de carro e à chuva.
Este contacto é mais intenso e talvez mais real se formos a pé ou de bicicleta. Neste último é mais difícil fotografar.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

BASE LUNAR ALFA



www.sou-eu.com


Já imaginou ter um boneco que é a sua cara? Já imaginou a brincadeira de uma criança em que o herói da história, aquele que voa, salta e luta contra os dragões seja essa mesma criança, representada num boneco SOU EU. Já imaginou os seus filhos de férias na companhia de todos os seus amigos e com muito menos confusão?
Já imaginou o boneco com a imagem do seu chefe entalada na porta da sala com toda a força ou debaixo da sola do seu sapato?
Já imaginou a sua namorada/o sempre ao alcance da sua mão?
Já imaginou a cara do seu amigo no corpo do super-homem, ou da sua amiga mais discreta num corpo de "femme fatale"?
E o Sócrates? Já imaginou o que podia fazer com ele?

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A hora do lobo chegou. Uivemos todos por ele.

A sua voz acompanhou-me durante anos. Quando voltava da escola e não tinha aulas de tarde ía ter com o meu amigo João, à loja do seu pai, e ficávamos a conversar e a ouvir o SOM DA FRENTE. Aprendi muito sobre música com ele. Aprendi a gostar de música com ele. Vivi muito tempo embalado na sua música e na sua voz. Adormeci muitas vezes de rádio ligado, na sua companhia. Muitas vezes, juntavamo-nos nas escadas da casa de amigos, para ouvir os seus programas mais tardios. Na penumbra, a sua voz e a sua música eram amplificados e ecoavam pelo espaço, junto das portas onde os nossos pais estavam a dormir depois de mais um dia de trabalho na cidade. Embrenhados na sua música e na sua voz fomos muitas vezes transportados para locais muito longe das nossas casas. Eram lugares bonitos e onde nos sentíamos bem. Hoje, vamos cada vez menos a esses lugares.
Na sua voz existia uma força enorme, um grito de coragem, um sentir abstracto de que tudo, afinal, estava no lugar certo e fazia sentido.
O António Sérgio vai continuar comigo e com todos os amantes da rádio. Todos aqueles que o ouviram durante décadas. Aquilo que nos ficou é muito mais forte do as imagens que poucas vezes tivemos dele. Quem diz que a rádio não tem imagens? O que é isto que eu vejo, dentro da minha cabeça?

terça-feira, 15 de setembro de 2009

POST-SCRIPTUM

Gostaria de saber
Com que sonha quem não sonha,
Que tem para se entreter
E fazer meio-risonha
A vida que ha por viver...

Gostaria de sentir
Como é a alma que vive
Sem para a alma sorrir...
Eu sonhei e nada obtive.
Sonharei sem conseguir.

Mas do que fiz e que faço,
Que é nada, como o é tudo,
Guardo no meu ser o traço
Do sonho que me faz mudo,
E rio-me do cansaço...

Os grandes homens da terra,
Os que fazem sem grammatica,
Phrases de paz e de guerra,
E sabem tudo da práctica
Salvo que a práctica erra

Ah, esses teem presença,
Multidão e biographia...
Que o Fado os tenha na crença
Que esse valer tem valia!...
Casei com a diferença...

9-X-1927
FERNANDO PESSOA


domingo, 13 de setembro de 2009

Tudo a kilo que desejas.



Quantas vezes nos apeteceu oferecer a alguém a lua, o céu ou uma estrela? Esta ideia para um projecto fotográfico abre a possibilidade de oferecer tudo aquilo que sempre imaginámos que seria a verdadeira necessidade de alguém. A possibilidade de oferecermos prendas verdadeiramente originais e que vão muito para além da oferta comercial vigente. Ok, não é a mesma coisa porque não estamos a oferecer a coisa em si, mas como poderíamos oferecer algo que nem sequer nos pertence? Será que a representação, a imagem do nosso objecto de desejo não é suficiente por si só? Mesmo que na maioria dos casos, a resposta seja negativa, podemos sempre dizer que afinal, aquilo que conta é a intenção.

Reflections in a silver watch





terça-feira, 8 de setembro de 2009

Pairar tem qualquer coisa de pai e de ar


Este sou eu. Pela mão pequena da Alice eu sou assim, riscado a vermelho sobre fundo branco com formas pouco regulares e de olhar admirado. Gosto muito desta figura simples onde todo o corpo é uma cabeça com olhos grandes em cima de umas frágeis pernas e com braços muito abertos. Se é uma figura instável, que pode cair a qualquer momento, ainda bem que não existe nada em volta onde se possa magoar... mas, talvez não esteja a ver o desenho correctamente e afinal, ele esteja de pernas para o ar... ou ainda, apenas a pairar no vazio. Pairar tem qualquer coisa de pai e de ar também...
Os desenhos das nossas crianças têm sempre qualquer coisa de astrológico, para além de toda a natural carga afectiva. Por um lado são complicados na sua simplicidade e portanto, difíceis de entender. Reside aí, sem dúvida o seu principal interesse , que nos permite explorar todos os seus traços e divagar sobre eles em múltiplas direcções com o mínimo de informação. Depende sempre da idade da criança. Por outro lado, e este sim o tal lado astrológico, estamos sempre a ajustá-lo à nossa realidade como uma forma abstracta que se devia encaixar em nós e fazer sentido.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O que eu vejo a partir da EN 321


A estrada que liga Castro Daire a Cinfães passa por aqui. Faifa, fica por trás do primeiro monte, em plena serra de Montemuro. Hoje é um pequeno lugar quase deserto. No verão ainda recebe os filhos e amigos dos últimos residentes da aldeia. É um lugar de muitas memórias, pois apesar de os meus pais terem vindo com a família trabalhar para Lisboa quando eu tinha apenas 6 meses, foi aqui que passei todas as minhas férias grandes até aos 12 anos.
Foi aqui que aprendi a usar uma fisga, a construir um trenó, a subir às árvores, a treinar um cão, a assobiar e onde acima de tudo, aprendi a viver com as histórias do meu avô.

Uma vez contou-me uma história que se tinha passado nos anos quarenta, possivelmente durante a segunda grande guerra, quando um avião se despenhou nestes montes. Foi ele a primeira pessoa a chegar ao local do acidente e a ver o sucedido, pois andava no monte com as suas cabras. O avião estava em chamas e o piloto apresentava muitas queimaduras e arrastava-se pelo chão. O meu avô contou-me que não percebia nada do que o piloto dizia (ainda hoje não sei se era alemão ou inglês). Lembro-me de que quando me contou a história aquilo era muito importante mim, e lembro-me de ter ficado chateado pelo facto de ele não saber, pois as brincadeiras dos Nazis e da Resistência estavam muito na moda na altura e eu cá era da Resistência e se por acaso aquele homem fosse um boche, eu nunca o teria ajudado. Mas ele podia ser inglês... e isso não foi importante para o meu avô, pois a única coisa que importava era ajudar aquele pobre homem que estava em muito mau estado. Ficou ali com o homem nos braços até chegar ajuda àquele local deserto. O que é certo é que passadas algumas horas, chegaram uns homens que levaram o ferido numa maca para o local onde a ambulância tinha ficado.
O meu avô contou-me com muito orgulho, que um homem de fato, lhe pediu para tomar conta dos destroços do avião até que uma equipa o pudesse vir buscar. Ficou ali quinze noites, sozinho no monte, iluminado por uma pequena fogueira e na companhia das estrelas.
Sempre achei fantástico o facto de o meu avô, viver numa terra tão pequena, num sítio isolado, ter dado o seu contributo para o salvamento de um soldado na possível segunda grande guerra. Mesmo que o soldado fosse alemão.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Habitantes



IDEIA PARA UM JOGO INTERACTIVO
Num prédio antigo da cidade de Lisboa morreu um homem de solidão. Todos os inquilinos têm a sua quota parte de responsabilidade no sucedido. A ideia é o utilizador reflectir nas atitudes e nas vidas dos outros habitantes daquele prédio na procura de uma identificação dos motivos para aquela morte. A realidade é a de que ninguém fez nada e essa foi a principal razão da tragédia.

Sempre nos interrogámos sobre o que se passa na casa dos nossos vizinhos, todos já tivemos um vizinho sobre o qual especulámos se teria ou não uma segunda vida, todos sabemos que sabemos muito pouco acerca dos nossos vizinhos e portanto parece-me oportuno pensar e fazer um projecto acerca destes assuntos que nos são tão próximos.

Tive uma vizinha, uma idosa que vivia sozinha e que ninguém via no prédio nem mesmo para despejar o lixo nem para receber alguém, parecia que estava só no mundo ou então ninguém queria saber dela, ou melhor, ela não queria saber de ninguém. Eu sabia que ela existia e estava viva, pois ouvia ruído vindo do seu apartamento. Era uma senhora complicada e muito só que não comunicava verbalmente com os demais habitantes do prédio mas fazia-o com mensagens coladas na sua porta. Ela devia colocá-las durante a noite pois eu nunca a vi colocá-las e saía sempre cedo. Uma vez escreveu “nem todos podemos ser bonitos”, outra vez, “estou à morte” e noutra ainda “silêncio”. A senhora que não me parece ter sido publicitária, conseguiu, pelo menos em mim criar um ambiente de mistério e expectativa durante todo o tempo que vivi naquele prédio. Conseguiu também comunicar a sua solidão, as suas preocupações e reflexões face à vida, conseguiu comunicar o que tinha na vontade e conseguiu que por vezes as pessoas que por ali passavam pensassem também um pouco na vida de quem vivia para além daquela porta. Por vezes, a senhora não colava bilhete nenhum na porta e confesso que me preocupava. O aspecto mais relevante destas mensagens enigmáticas foi o facto de todos ou outros habitantes do prédio comunicarem entre si para tentar saber algo acerca da senhora.

Também já tinha escrito um argumento sobre um jovem ao passar por uma rua deserta à noite, recebia um convite de uma rapariga de voz sensual, através de um intercomunicador de um prédio. A porta da rua abria-se e o rapaz entrava no prédio sem saber de que andar lhe tinha sido feito o convite. Não lhe restou mais nada do que subir e tentar perceber de onde lhe vinha a proposta tentadora. Nessa viagem ele vai tentar perceber todos os sinais que lhe chegam vindos do outro lado da porta.

Numa visita ao CCB à exposição FANTASMAS de Nuno Cera vi o filme “Unité d'Habitation” de 2006 que tem por cenário um edifício de Le Corbusier em Charlottenburg e que num registo próximo dos filmes de suspense, ficciona um assassinato onde a câmara subjectiva está do lado do "mal" e do crime apenas se vê o resultado. Gostei da ideia da câmara atrás das portas, onde a imagem fica completamente negra, dando espaço ao espectador para adivinhar o que se passa do outro lado da porta e ficcionando dentro da nossa cabeça à semelhança do que João César Monteiro quis fazer com a sua “Branca de Neve”.

Uma vez o Miguel Sousa Tavares, quando ainda trabalhava na Grande Reportagem, relatou a história de um homem que vivia nos Estados Unidos e que foi encontrado morto na sua casa. Os vizinhos acharam estranho que tendo passado já um mês do Natal, as luzes da árvore festiva ainda continuassem acesas e foram investigar. Como ninguém abria a porta e através da janela viam um homem sentado numa poltrona, pensaram que ele tinha tido um ataque cardíaco e resolveram chamar os bombeiros. Os bombeiros confirmaram que o homem tinha morrido com um ataque cardíaco... mas há mais de um ano.

Não imagino esta ideia como um jogo com níveis e recompensas, pode sim ter diversos espaços onde podemos entrar ou não e dos quais vamos retirando informação e interagindo com os HABITANTES daquele espaço, com os seus objectos, com o seu passado e talvez com o seu futuro. A principal recompensa neste projecto é o percurso realizado e a reflexão sobre assuntos que nos são tão próximos. Acho que este produto poderia ser um exploratório onde o utilizador vai recolhendo indícios sobre a vida dos habitantes dos diversos apartamentos e isso condiciona as suas decisões no percurso.

O projecto poderia começar com um vídeo do homem morto e do seu espaço, talvez com a equipa do INEM a levá-lo. Através das conversas dos bombeiros e da polícia perceberíamos o sucedido e que funcionaria como arranque da história/percurso e aí tínhamos possibilidade de visitar a sua casa, os seus objectos e o seu passado. Depois poderíamos conhecer os outros habitantes, as suas vidas e como estão relacionadas com aquela morte. Não quero dar uma carga muito negativa ao projecto, aliás gostava que um dos aspectos mais relevantes da viagem do utilizador fosse realmente que a descoberta de novas pessoas e a partilha das suas vidas é o principal motor de uma vida plena em sociedade.

Dez anos.

Lembro-me de lhe pegar com cuidado e de o levar para casa no bolso da camisa.

Quando o enquadrei na mira da pressão de ar, suspenso na respiração, vi como o seu peito orgulhoso se enchia de ar e de dentro saía um cantar alegre e distraído. Nem dei pelo dedo quando escolheu aquele momento. As folhas não tiveram força para o segurar e caiu no chão a poucos metros de mim.

Esteve ali, em cima da mesa da cozinha durante muito tempo sem que eu soubesse o que fazer com um pássaro tão bonito,mas que não se mexia.

Fiquei muito contente quando vi que o gato sabia.

sábado, 15 de agosto de 2009

#0001



Um pequeno contributo para a felicidade

Assim que entrei os que deram pela minha presença sorriram. Facto estranho num café da minha rua onde nem sempre vou e nem todos me conhecem. Mas se são sorrisos, são sempre bem vindos mesmo daqueles que não conhecemos. Pedi uma bica em chávena fria e quando me sentava ao balcão tive a sensação que do ruído da sala agora só sobrava o silêncio. Era um silêncio sorridente apesar de tudo. O empregado, um homem de bigode, passou a mão pelo cabelo devagarinho. Não percebi o gesto e havia qualquer coisa de estranho no seu olhar.
Era sábado. Tinha passado a tarde com as minhas filhas, no meio de brincadeiras com casinhas de bonecas em que nunca fazia de pai e quase sempre era um filho muito mal comportado que precisava constantemente de ser castigado. Desde que saíra de casa que tinha a estranha sensação de que muitas pessoas davam por mim na rua e que quase sempre nos seus rostos se abria um sorriso rasgado. Sentia-me bem por ver pessoas que eu nunca tinha visto, que por uma razão qualquer achavam que me deviam sorrir e dirigir o seu olhar. Comecei a prestar atenção e reparei que só quando por acaso os olhos das pessoas se cruzavam comigo, é que estas sorriam. Era algo no meu olhar, que só conseguiam perceber quando estavam perto de mim. Um magnetismo qualquer que só emana das pessoas verdadeiramente especiais e se torna mais forte quanto mais perto estivermos delas. Esta constatação esclarecida e fundamentada num grande sorriso colectivo, contagiou-me de confiança e alegria que me levaram a retribuir todos os sorrisos de forma franca e intensa. Rica tarde. Que raio teria eu que hoje levava a que todos gostassem de mim. Nunca tive grandes problemas de confiança, mas se os tivesse, hoje com certeza todos se dissipariam. Um miúdo até apontou para mim num gesto eufórico que levaria a entender que eu poderia ser uma estrela de televisão ou até qui ça futebolista. Foi logo advertido por uma senhora que quando olhou na direcção do indicador do miúdo não escondeu um largo sorriso ao qual também não resisti. Só podia ser coincidência, estavam a confundir-me com alguém. É o que dá deixar de ver televisão, de certeza que sou um sósia de alguém muito famoso que entra em casa das pessoas em horário nobre.
Na papelaria onde todos os dias compro o jornal, a empregada sisuda que nunca me dirigiu um olhar simpático durante os últimos anos e inclusivamente já tinha tido com ela alguns atritos sem grande importância, nesse dia parecia outra pessoa. Não era um grande sorriso, mas lá estava ele nos seus lábios finos e um pouco trocista. Os seus olhos é que não me largavam como se eu fosse um velho amigo que não via há muito tempo e me quisesse contar todos os cabelos brancos que teimavam em aparecer e que agora não me faziam a menor diferença. Paguei o jornal do costume e até fiz um totoloto reforçado. Num dia como este a sorte estava de certeza do meu lado. Saí a sorrir, retribuindo a amabilidade da atenção. Lá dentro, através da montra, vi-a cochichar com a colega de forma entusiasmada.
De regresso a casa, satisfeito, encontrei a senhora que limpava as escadas e que se afastou para me dar passagem. Olhei-a nos olhos e sorri, na esperança de recarregar até ao fim todo o meu ego. Ela não resistiu e soltou um oh de satisfação. Subi as escadas com passadas largas e vigorosas. Ainda não tinha entrado em casa e já a minha filha mais velha me saltava para os braços. Ao contrário das pessoas que tinha encontrado na rua ela estava muito séria e perguntou-me porque raio tinha levado para a rua o gancho cor de rosa preso no cabelo.