Habitantes



IDEIA PARA UM JOGO INTERACTIVO
Num prédio antigo da cidade de Lisboa morreu um homem de solidão. Todos os inquilinos têm a sua quota parte de responsabilidade no sucedido. A ideia é o utilizador reflectir nas atitudes e nas vidas dos outros habitantes daquele prédio na procura de uma identificação dos motivos para aquela morte. A realidade é a de que ninguém fez nada e essa foi a principal razão da tragédia.

Sempre nos interrogámos sobre o que se passa na casa dos nossos vizinhos, todos já tivemos um vizinho sobre o qual especulámos se teria ou não uma segunda vida, todos sabemos que sabemos muito pouco acerca dos nossos vizinhos e portanto parece-me oportuno pensar e fazer um projecto acerca destes assuntos que nos são tão próximos.

Tive uma vizinha, uma idosa que vivia sozinha e que ninguém via no prédio nem mesmo para despejar o lixo nem para receber alguém, parecia que estava só no mundo ou então ninguém queria saber dela, ou melhor, ela não queria saber de ninguém. Eu sabia que ela existia e estava viva, pois ouvia ruído vindo do seu apartamento. Era uma senhora complicada e muito só que não comunicava verbalmente com os demais habitantes do prédio mas fazia-o com mensagens coladas na sua porta. Ela devia colocá-las durante a noite pois eu nunca a vi colocá-las e saía sempre cedo. Uma vez escreveu “nem todos podemos ser bonitos”, outra vez, “estou à morte” e noutra ainda “silêncio”. A senhora que não me parece ter sido publicitária, conseguiu, pelo menos em mim criar um ambiente de mistério e expectativa durante todo o tempo que vivi naquele prédio. Conseguiu também comunicar a sua solidão, as suas preocupações e reflexões face à vida, conseguiu comunicar o que tinha na vontade e conseguiu que por vezes as pessoas que por ali passavam pensassem também um pouco na vida de quem vivia para além daquela porta. Por vezes, a senhora não colava bilhete nenhum na porta e confesso que me preocupava. O aspecto mais relevante destas mensagens enigmáticas foi o facto de todos ou outros habitantes do prédio comunicarem entre si para tentar saber algo acerca da senhora.

Também já tinha escrito um argumento sobre um jovem ao passar por uma rua deserta à noite, recebia um convite de uma rapariga de voz sensual, através de um intercomunicador de um prédio. A porta da rua abria-se e o rapaz entrava no prédio sem saber de que andar lhe tinha sido feito o convite. Não lhe restou mais nada do que subir e tentar perceber de onde lhe vinha a proposta tentadora. Nessa viagem ele vai tentar perceber todos os sinais que lhe chegam vindos do outro lado da porta.

Numa visita ao CCB à exposição FANTASMAS de Nuno Cera vi o filme “Unité d'Habitation” de 2006 que tem por cenário um edifício de Le Corbusier em Charlottenburg e que num registo próximo dos filmes de suspense, ficciona um assassinato onde a câmara subjectiva está do lado do "mal" e do crime apenas se vê o resultado. Gostei da ideia da câmara atrás das portas, onde a imagem fica completamente negra, dando espaço ao espectador para adivinhar o que se passa do outro lado da porta e ficcionando dentro da nossa cabeça à semelhança do que João César Monteiro quis fazer com a sua “Branca de Neve”.

Uma vez o Miguel Sousa Tavares, quando ainda trabalhava na Grande Reportagem, relatou a história de um homem que vivia nos Estados Unidos e que foi encontrado morto na sua casa. Os vizinhos acharam estranho que tendo passado já um mês do Natal, as luzes da árvore festiva ainda continuassem acesas e foram investigar. Como ninguém abria a porta e através da janela viam um homem sentado numa poltrona, pensaram que ele tinha tido um ataque cardíaco e resolveram chamar os bombeiros. Os bombeiros confirmaram que o homem tinha morrido com um ataque cardíaco... mas há mais de um ano.

Não imagino esta ideia como um jogo com níveis e recompensas, pode sim ter diversos espaços onde podemos entrar ou não e dos quais vamos retirando informação e interagindo com os HABITANTES daquele espaço, com os seus objectos, com o seu passado e talvez com o seu futuro. A principal recompensa neste projecto é o percurso realizado e a reflexão sobre assuntos que nos são tão próximos. Acho que este produto poderia ser um exploratório onde o utilizador vai recolhendo indícios sobre a vida dos habitantes dos diversos apartamentos e isso condiciona as suas decisões no percurso.

O projecto poderia começar com um vídeo do homem morto e do seu espaço, talvez com a equipa do INEM a levá-lo. Através das conversas dos bombeiros e da polícia perceberíamos o sucedido e que funcionaria como arranque da história/percurso e aí tínhamos possibilidade de visitar a sua casa, os seus objectos e o seu passado. Depois poderíamos conhecer os outros habitantes, as suas vidas e como estão relacionadas com aquela morte. Não quero dar uma carga muito negativa ao projecto, aliás gostava que um dos aspectos mais relevantes da viagem do utilizador fosse realmente que a descoberta de novas pessoas e a partilha das suas vidas é o principal motor de uma vida plena em sociedade.

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