Um pequeno contributo para a felicidade

Assim que entrei os que deram pela minha presença sorriram. Facto estranho num café da minha rua onde nem sempre vou e nem todos me conhecem. Mas se são sorrisos, são sempre bem vindos mesmo daqueles que não conhecemos. Pedi uma bica em chávena fria e quando me sentava ao balcão tive a sensação que do ruído da sala agora só sobrava o silêncio. Era um silêncio sorridente apesar de tudo. O empregado, um homem de bigode, passou a mão pelo cabelo devagarinho. Não percebi o gesto e havia qualquer coisa de estranho no seu olhar.
Era sábado. Tinha passado a tarde com as minhas filhas, no meio de brincadeiras com casinhas de bonecas em que nunca fazia de pai e quase sempre era um filho muito mal comportado que precisava constantemente de ser castigado. Desde que saíra de casa que tinha a estranha sensação de que muitas pessoas davam por mim na rua e que quase sempre nos seus rostos se abria um sorriso rasgado. Sentia-me bem por ver pessoas que eu nunca tinha visto, que por uma razão qualquer achavam que me deviam sorrir e dirigir o seu olhar. Comecei a prestar atenção e reparei que só quando por acaso os olhos das pessoas se cruzavam comigo, é que estas sorriam. Era algo no meu olhar, que só conseguiam perceber quando estavam perto de mim. Um magnetismo qualquer que só emana das pessoas verdadeiramente especiais e se torna mais forte quanto mais perto estivermos delas. Esta constatação esclarecida e fundamentada num grande sorriso colectivo, contagiou-me de confiança e alegria que me levaram a retribuir todos os sorrisos de forma franca e intensa. Rica tarde. Que raio teria eu que hoje levava a que todos gostassem de mim. Nunca tive grandes problemas de confiança, mas se os tivesse, hoje com certeza todos se dissipariam. Um miúdo até apontou para mim num gesto eufórico que levaria a entender que eu poderia ser uma estrela de televisão ou até qui ça futebolista. Foi logo advertido por uma senhora que quando olhou na direcção do indicador do miúdo não escondeu um largo sorriso ao qual também não resisti. Só podia ser coincidência, estavam a confundir-me com alguém. É o que dá deixar de ver televisão, de certeza que sou um sósia de alguém muito famoso que entra em casa das pessoas em horário nobre.
Na papelaria onde todos os dias compro o jornal, a empregada sisuda que nunca me dirigiu um olhar simpático durante os últimos anos e inclusivamente já tinha tido com ela alguns atritos sem grande importância, nesse dia parecia outra pessoa. Não era um grande sorriso, mas lá estava ele nos seus lábios finos e um pouco trocista. Os seus olhos é que não me largavam como se eu fosse um velho amigo que não via há muito tempo e me quisesse contar todos os cabelos brancos que teimavam em aparecer e que agora não me faziam a menor diferença. Paguei o jornal do costume e até fiz um totoloto reforçado. Num dia como este a sorte estava de certeza do meu lado. Saí a sorrir, retribuindo a amabilidade da atenção. Lá dentro, através da montra, vi-a cochichar com a colega de forma entusiasmada.
De regresso a casa, satisfeito, encontrei a senhora que limpava as escadas e que se afastou para me dar passagem. Olhei-a nos olhos e sorri, na esperança de recarregar até ao fim todo o meu ego. Ela não resistiu e soltou um oh de satisfação. Subi as escadas com passadas largas e vigorosas. Ainda não tinha entrado em casa e já a minha filha mais velha me saltava para os braços. Ao contrário das pessoas que tinha encontrado na rua ela estava muito séria e perguntou-me porque raio tinha levado para a rua o gancho cor de rosa preso no cabelo.

Comentários

  1. Sandra Pascoal16/11/2009, 14:39:00

    E que grande contributo para uma óptima gargalhada minha. Fiz questão de ler para a minha irmã que também se desmanchou a rir. A história que um ganchinho consegue dar e o impacto que tem na disposição de alguém. Muito bom!

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